E aí, psicólogo pode ou não pode chorar na sessão?
Eventualmente, esse assunto acaba surgindo em alguma pagina de psicologia, e, com alguma frequência acaba gerando discussões acaloradas sobre ética, sobre certo ou errado, e caímos naquele lugar comum de “o que pode ou não pode o psicólogo fazer na sessão?”.
Então, bora conversar sobre isso?
Primeiro, vamos partir do ponto inicial: enquanto seres humanos, nós temos emoções. Ponto. Essas emoções são evocadas diante de situações específicas: momentos leves e divertidos podem evocar alegria, momentos de injustiça podem evocar raiva, momentos de perigo evocam medo, e momentos de perda, por exemplo, podem evocar tristeza. Ou seja, diante de situações específicas, emoções específicas são evocadas.
A gente pode esquecer disso, mas às vezes o óbvio precisa ser dito: psicólogas e psicólogos são, pasmem, seres humanos. Portanto, diante de situações específicas, como um atendimento, por exemplo, psicólogas (os) também terão emoções. E, eventualmente, essa emoção pode evocar lágrimas.
Okay, tendo entendido isso, vamos para a parte que geralmente gera polêmica: ter essas emoções e chorar (ou deixar o choro aparecer) em sessão é adequado? é ético? é correto uma psicóloga (o) chorar durante um atendimento?
Em primeiro lugar, se olharmos pela perspectiva puramente humana e fisiológica de que algumas situações evocam emoções (e não há muito que possamos fazer sobre isso), sentir alguma emoção que evoque choro não pode ser considerado errado. Sentir não é errado. Mas, como seres humanos que somos, nossas emoções e as relações que estabelecemos com elas são mais complexas do que simplesmente sentir apenas porque temos um aparato biológico para tanto.
Então, se olharmos por essa perspectiva mais complexa, a resposta será a clichê-padrão-que-toda-psicóloga-conhece-bem: depende. E aí serei um pouco mais específica: depende da função desse choro, e especialmente, depende do impacto disso para o cliente.
E talvez, enquanto terapeutas, a gente só consiga dizer se chorar pode ser válido ou não em sessão com um cliente a partir de dois aspectos: 1) uma boa análise do caso em si & 2) autoconhecimento do terapeuta.
No ponto 1, você pode observar coisas como: como meu choro afeta esse cliente em específico? o que no relato dessa pessoa me evoca choro (ou vontade de chorar)? chorar parece me aproximar ou me afastar dessa pessoa? o que a vontade de chorar me diz sobre o que estou ouvindo ou lidando aqui e agora, nessa sessão? Essas perguntas são relacionadas ao caso, ao que está acontecendo no momento da sessão e ao efeito que as suas lágrimas podem ter no seu cliente.
No ponto 2, você pode notar coisas como: há algo em mim que me deixou mais sensível a esse relato do que o normal? minhas emoções tem alguma relação com algo sensível que eu estou lidando (que talvez nem se relacione com o que o cliente está dizendo)? chorar aqui parece ter a ver com o cliente, comigo, ou com algo particular meu, mas que se relaciona com o relato do cliente? Essas perguntas são relacionadas à você, e ao que sobre você
Chorar, assim como qualquer outro comportamento, não vem do nada. Entender qual a origem desse choro pode ser importante para saber o que fazer com isso.
Gente, que complexo ser psicóloga, né?
Durante a pandemia lidei com alguns casos de luto. Chorei em algumas dessas sessões, com pessoas distintas, por ter acompanhado todo o processo e ver o desfecho mais difícil possível se concretizando. Senti junto. Sentir junto e chorar naquelas situações me aproximou das pessoas que atendia, as acolheu.
Já chorei por ouvir relatos difíceis, de histórias de negligência e desamparo. Esse choro validou, especialmente quando a dor não havia sido validada antes em espaço nenhum.
Já segurei as lágrimas, mesmo notando a vontade de chorar diante de alguma situação em sessão, por notar que meu choro não tinha relação direta com o que estava acontecendo em sessão.
Acredito que a parte complexa é que só sabemos o que esse choro pode evocar observando e pedindo feedback para nossos clientes. A parte boa é que, ao nos aprofundarmos nos casos e conhecermos melhor as pessoas que atendemos (e a nós mesmas enquanto terapeutas), é possível ter uma boa ideia de como chorar pode impactar quem atendemos.
Mas, aqui vai um resumo do que eu genuinamente acredito: chorar em sessão (enquanto terapeuta) não é errado. Somos humanos e sentimos, não há como escapar (e que bom ❤). Importa mais o que vamos fazer com as lágrimas que caem, e minha sugestão é: pergunte ao seu paciente como ver você chorar o afeta.
E independente de qual for o motivo do choro, se estiver difícil lidar com as suas emoções em sessão, terapia e supervisão sempre podem ajudar 🫂
Com carinho,
Mari